4- A fuga de Joca
Joca estava triste. Havia
dentro do Joca uma confusão de sentimentos: tristeza, dor,raiva,medo,etc. Enfim uma
mistura de sentimentos que não era
possível descrever o que mais predominava mas o que mais transparecia era a
tristeza. Joca embora tivesse apenas 5 anos de idade, não estava tendo uma
infância feliz, não foi o filho mais novo mimado pelos pais e outros irmãos;
sentia-se excluído e como se não fizesse parte daquela família. Em sua
ingenuidade achava-se mais perto e parecido com as galinhas do que com os
humanos e ai estava outro grande problema para Joca: fugir e deixar todo o seu clico de amizades
que estavam reclusas no galinheiro? Joca teve uma ideia antes de “fugir de casa”
: Libertar o Giba e as galinhas. Algum tempo depois do fatídico
almoço foi ate o galinheiro escancarou o
portão e deixou-o aberto esperando que os animais fugissem. Infelizmente, o
galo-cinza não tinha o mesmo objetivo de Joca e não deixava nem Joca se
aproximar das galinhas para libertá-las e tampouco as galinhas se aproximarem
do portão. Ouvindo aquele estardalhaço todo, Vilmar o irmão de Joca veio
correndo e acabou com o resgate das galinhas, alem disso deu um chute na bunda
do Joca que o fez cair e Joca chorou e como chorou. Talvez mais de decepção;
decepção por se punido por algo considerado nobre e justo: manter os animais vivos.
Joca percebeu assim que não seria nada fácil libertar as galinhas. Quando levantou,
percebeu que suas pernas estavam em
parte com uma cor diferente – estavam manchadas e também úmidas : as amoras que
estavam no chão foram amassadas na queda do Joca e então imediatamente
lembrou do que tinha feito com Michele e percebeu que não tinha adiantado nada
ter pintado a galinha e a depenado – ela
morrera do mesmo jeito e Joca sentia-se culpado. Nesse momento na sua pequena inocência relacionou tudo na sua cabeça: morte; medo, callni,culpa,família
e lembrou de Michele o que aconteceria
com ela?
Ele já tinha ouvido falar no culto em ressurreição e sabia
que a palavra se aplicava a “situações de morte”. Embora a palavra fosse quase
impronunciável para Joca e não entendesse ainda o real significado da mesma,
sabia que era destinada exclusivamente aos mortos e então naquele momento Joca
fez sua primeira oração espontânea assim
:
“Papai do Céu, sei que o Senhor pode tudo porque dizem que o
senhor fez tudo, sei que não sou o que o pai e a mãe querem que eu seja e que
meus irmãos não gostam muito de mim, mas também não sei o que eles querem que
eu seja e o que tenho que fazer, acho que faço quase tudo errado mas acho que o
Senhor sabe que eu tento fazer o que é certo, só não sei porque o castigo de
tudo isso não veio em mim mas na Michele e nas amigas dela.Mas já que a Michele
morreu e tá ai perto do Senhor agora, por favor será que o Senhor pode dar um
pouco de ressurreição pra ela, assim ela
vai continuar gordinha e crescer as penas e pede desculpas para ela por eu ter
deixado a Michele daquela cor. Amém”.
Após essa breve oração,
Joca sentiu-se aliviado, confiante
e já cedo na vida descobrira que em certos momentos poderia conversar com algo
ou alguém que não estava ali fisicamente. Sentiu que não eram apenas as
galinhas que poderiam ouvi-lo, que não precisava de respostas imediatas,
percebeu que estava em paz, que estava tranquilo, triste, mas tranquilo. Joca
sentiu-se forte, triste, mas forte, Joca sentiu-se seguro, triste mas seguro e
agora ainda mais determinado a fugir de casa
Saiu escondido, passou por debaixo de um buraco na cerca, pegou
a estrada e andou e andou muito. O sol das 15:30 h estava muito quente, Joca
não tinha levado água. Caminhou ate chegar a estrada mais larga que pudesse
encontrar e pensou: “ deve ser essa, se porto alegre é grande deve ser uma
estrada grande que chega lá”.
Continuou pela estrada por muitos metros, suando,cansado mas
firme em sua decisão: encontrar algo ou alguém que nem ao certo sabia o que era
e não lhe importava qual fosse e onde estivesse. Muitos anos depois já adulto
ele continuava a fazer isso procurar algo ou alguém em algum lugar no meio do
lugar nenhum. Porém naquele momento aos 5 anos fazia planos de como seria diferente a vida
que atualmente vivia. Imaginava outro menino como irmão com quem pudesse
interagir mais ou menos com a idade dele e não igual ao Vilmar que só ficava
olhando para ele e raramente respondia ‘as
perguntas de Joca. Imaginava ser
tratado de forma melhor pelos membros da família e continuava imaginando quando
seus pensamentos foram interrompidos por uma buzina de carro. O motorista - Um
homem já com seus cinquenta e poucos anos todo suado e com uma voz grossa
perguntou a Joca para onde ele iria e Joca repondeu: “quero ir pra poto alegui” ao que o homem abrindo a porta falou: “entra
ai que eu te levo” e Joca entrou. E Joca sentiu-se bem, Joca estava feliz.
Sem dar muita importância ao trajeto que o motorista estava
traçando e mais preocupado com a poeira e com dor de cabeça por causa do sol
forte, depois de algum tempo Joca ouviu a seguinte frase do condutor : “estamos
quase chegando”. Aquela voz lhe parecia
familiar embora não conhecesse o motorista. Com possibilidade de estar quase
chegando ao seu destino, começou a prestar mais atenção no caminho que estava e
imediatamente reconheceu a grande seringueira na estrada que estava a menos de
100 m de sua casa. Sentiu um calafrio e percebeu que tinha sido enganado.
O carro já foi chegando e buzinando r frente ao terreno da
casa do seu Bartolomeu. O próprio veio até
o portão com uma certa dificuldade para caminhar e reconheceu o carro do seu
Sadi de Viamão (como ele era conhecido)
–um pequeno comerciante que havia se estabelecido há alguns anos na
cidade vindo da cidade de Viamão.
Seu Sadi parou o carro, abriu a porta do carona e falou : “
olha quem eu encontrei na estrada querendo ir para porto alegre”. Joca sem
falar nada desceu do carro, olhou para cima encarando seu Bartolomeu que
demonstrou descaso total com a situação e
foi em direção a casa enquanto seu pai olhava para o grande relógio no pulso
esquerdo e pensou “humm já é quase seis horas da tarde” no ato fez o seguinte
convite : “ Vamos tomar um chimarrão seu Sadi ? “.
Seu Sadi apeou do carro,caminhou ao lado do seu Bartolomeu
em direção ao pátio para tomar um chimarrão do final de tarde;
E Joca ? Joca já
estava a uns 2 metros a frente indo em direção a casa.
E joca ? Joca parecia invisível e e indiferente aqueles dois homens;
E joca ? Mais uma vez
Joca estava triste.
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